Terça-feira, 10 de Março de 2009

À conversa com Mário Augusto

 

 
 
“O que as pessoas vêem em casa é uma falsa intimidade com os famosos”
 
Das idas ao cinema em Espinho ao passeio da fama em Los Angeles, este apaixonado pela Sétima Arte percorreu um longo caminho até se tornar num dos portugueses mais famosos entre as estrelas de Hollywood. Hoje, Mário Augusto senta-se no sofá vermelho, não nos EUA mas em Portugal. Não para entrevistar estrelas como Paris Hilton ou Jodie Foster mas para dar a conhecer o seu próprio mundo.
 
Cátia Rodrigues - Quando e como surgiu a sua paixão pelo cinema?
Mário Augusto - Começou muito cedo. Sou de Espinho, perto do Porto. Quando tinha 11 anos, estreou um festival de cinema de animação, o Cinenima. E foi pela animação que comecei a descobrir o outro lado do cinema. Aprendi algumas técnicas e aquilo fascinou-me tanto que passei a fazer parte da organização do festival. Ainda adolescente, comecei a ter contacto com a Comunicação Social. Era eu quem fazia os comunicados de imprensa, relacionados com o festival.
Comecei a achar piada à rádio, à televisão e daí foi um passo. Todos os meus colegas do Cinenima estão, actualmente, ligados ao jornalismo mas sou o único ligado ao cinema.
 
Há 20 anos que entrevista famosos. Como surgiu a oportunidade de ir para Hollywood entrevistar algumas das pessoas mais mediáticas do mundo?   
A oportunidade surgiu quando estava a trabalhar na RTP. Encontrava-me a fazer uma rubrica sobre cinema quando tive a possibilidade de entrevistar alguns famosos. Na altura, quem mandava na estação era o José Eduardo Moniz. Ele decidiu colocar as minhas peças no meio do jornal. Eu continuei a entrevistar cada vez mais famosos mas nem me passava pela cabeça que pudesse fazer apenas disso a minha profissão. Portugal não tem um mercado muito grande, não representa quase nada no negócio dos filmes. Mas, com o passar dos anos, continuei a entrevistar. O auge do meu trabalho deu-se quando vim para a SIC. Na altura, o director Emídio Rangel quis apostar fortemente nesta área, o que me deu a oportunidade de fazer aquilo que gosto.
 
O que acha mais fascinante no seu trabalho?
Ao contrário do que muitos jovens pensam, não é aparecer na televisão. A televisão é um fósforo. É um mundo muito engraçado, os bastidores são fantásticos, mas a história de aparecer na televisão e ser reconhecido na rua é um “pau de dois bicos”. Temos de ver a carreira sempre como um fósforo. Quando acendemos, temos duas hipóteses: ou arde depressa e acaba-se depressa ou arde devagarinho até acabar o pau. O que tento fazer é manter a chama calminha até o pau arder por completo. Porque, para muitos, a chama torna-se muito alta, faz uma verdadeira labareda mas depois extingue-se de uma só vez. A fama acaba e o trabalho também. No entanto, adoro trabalhar na televisão. Faço o que gosto e pagam-me para isso.
 
 
“Não sou falso”
 
De todos os famosos que já entrevistou, qual foi o que mais o marcou?
É difícil criar uma relação de amizade com as estrelas porque, actualmente, as entrevistas são muito compactas, muito formatadas. Duram apenas cinco minutos, saio eu e entra outro jornalista. O que as pessoas vêem em casa é uma falsa intimidade com os famosos. Mas eu não sou falso. Sou genuinamente como apareço na televisão. Se me engano, azar. Se falo mal inglês, não faz mal porque eles também não falam português. Mas, apesar de tudo isto, existem alguns com quem tenho maior intimidade. Por vezes, cruzam-se comigo nos corredores e dizem: «Mário, how are you doing? How is Portugal?», o que é muito giro porque se recordam de mim, no meio de tantos jornalistas. Uma estrela que me marcou foi a Jodie Foster.
 
 Jodie Foster? Porquê?
É uma mulher extremamente simpática e inteligente. Além disso, tem uma filha da idade da minha e, portanto, quando nos encontramos perguntamos pelo “rebento” um do outro.
 
Quem gostaria de entrevistar?
Adorava entrevistar a Marylyn Monroe. Penso que seria uma mulher muito interessante mas, infelizmente, isso já não é possível. Dos vivos, gostava de entrevistar o Clint Eastwood. Acho que o seu trabalho é brilhante. Quem sabe, um dia, terei oportunidade de o fazer. É quem me falta na lista.
 
Pode contar-nos uma história engraçada?
É difícil arranjar histórias. O método para fazer as entrevistas está tão formatado que tenho de “espremer” os minutos aos segundos. Mas já me aconteceu começar uma entrevista, fazer a primeira pergunta, e ter vontade de desatar a correr dali para fora. Aconteceu-me quando tive de entrevistar a Paris Hilton e a miúda não dizia duas seguidas. Só dizia sim, não e ficou-se por ali. Saí de lá com uma raiva enorme e nunca mais quero voltar a entrevistá-la. Há ainda outra história engraçada. Não aconteceu directamente comigo mas com um jornalista inglês, daqueles que gostam de fazer perguntas sensacionalistas. Tínhamos viajado para Paris, para entrevistar o actor Russel Crowe. O inglês foi o primeiro a entrevistar e, ao que parece, fez comentários menos dignos sobre a esposa do actor. Russel não gostou muito da conversa e decidiu partir para a “pancadaria”. Conclusão: acabaram por ali as entrevistas e voltámos todos para casa sem o trabalho feito.
 
Prefere um passeio pela sua cidade natal, Espinho, ou o passeio da fama em Hollywood?
Espinho, sem dúvida. Gosto muito de viajar. Adoro ir a Hollywood mas Espinho funciona como um “carregador de baterias”. Foi lá que nasci, cresci e tenho a minha família. Não troco Espinho por parte nenhuma do mundo.
 
“O prazer maior de um filme é à posteriori
Qual o tipo de filmes que mais aprecia?
Gosto de todo o tipo de filmes, excepto de terror. Envolvo-me muito nas cenas. É como se estivesse a vivê-las. Assusto-me muito com os filmes de terror, não estou para ir ao cinema e pagar para me assustar.
 
 
Qual é, para si, o melhor filme até hoje realizado?
É muito difícil escolher um só filme. Estão sempre a surgir novos e bons filmes. O meu filme favorito hoje, provavelmente não será o mesmo daqui a sete anos. O cinema tem a capacidade de nos transmitir sensações que estão para lá da projecção. Cada um interpreta-o conforme as suas experiências pessoais, a sua sensibilidade. O melhor filme é aquele que vem agarrado a nós depois da projecção. O prazer maior de um filme é à posteriori. É descobrir o que o filme nos deu, o que nos transmitiu, o que nos ensinou. Mas, se tiver de escolher um filme que realmente me marcou, foi o Casablanca.
 
Casablanca? Porquê?
Pela história, pelas personagens e pela excelente realização.
 
Na sua opinião, quem é o melhor realizador de sempre?
Da nova geração, destaco o Paul Thomas Anderson porque tem uma grande visão de cinema. É um apaixonado pela Sétima Arte. Dos clássicos, o Martin Scorsese e o Coppola. Mas, para mim, o mestre da realização é o Steven Spielberg.
 
E o melhor filme português?
Infelizmente, o cinema português ainda não é tão bom como gostaria. Apesar disso, penso que tem marcado outros espaços. Já não é apenas um cinema de autor, como acontecia antigamente. Gosto, por exemplo, dos filmes de António Pedro Vasconcelos, porque percebe de cinema. Dessem-lhe meios e financiamentos para isso e penso que ele seria capaz de realizar um “filmaço”, ao nível dos americanos. Mas, se tiver de nomear um bom filme português, escolho Alice porque é tão bom aqui como na América. O cinema português tem um grande problema. O seu mercado é muito estreito. Não temos muita gente para ver o nosso cinema. Se um filme português conseguir ter 400 mil espectadores já é uma festa. Mas, mesmo assim, não chega para pagar um filme.
 
O cinema português, ao contrário de outros países europeus como França (34,8%) ou Espanha (15,8%), representa apenas 0.9% do mercado. O que poderá ser feito para contrariar as tendências cinematográficas dos portugueses de forma a “resistirem” ao imperialismo americano?
Em primeiro lugar, massificar a produção, criar mais condições para se produzir mais e ter a consciência de que não temos um mercado mundial. Temos de fazer filmes para nós e para os países que falam português. Muitos portugueses mal têm dinheiro para comer quanto mais para irem ao cinema. Os brasileiros também não estão muito virados para o cinema português porque têm a sua própria indústria cinematográfica.
 
“Sou um jornalista, não um escritor”
 
Já escreveu os livros Optimismo (2005), Nos Bastidores de Hollywood (2005) e Mais Bastidores de Hollywood (2006). Porque decidiu escrever livros?
Por desafio. Um dia, apareceu-me um editor que me tinha visto na televisão a contar histórias sobre famosos. Perguntou-me se queria escrever um livro.
Na altura, achei muito estranho. Primeiro, porque tenho consciência de que sou um jornalista e não um escritor. Ao contrário de muitos jornalistas que escrevem livros e já se acham grandes escritores, sei as minhas capacidades e tenho muito respeito por quem sabe e escreve grandes obras literárias. Essencialmente, nos meus livros conto histórias que me aconteceram enquanto entrevistava famosos. Escrevi o primeiro livro e achei aquilo muito engraçado. Passados três meses, como tinha algumas histórias que tinham ficado penduradas, resolvi escrever o segundo. Comecei, tentei fazer uma coisa um bocadinho diferente e acho que consegui.
 
Os lucros reverteram para a Fundação do Gil e para o movimento “Sorriso da Rita” (em homenagem à sua filha), para ajudar crianças com paralisia cerebral. Conseguiu cumprir o seu objectivo?
Sim, sem dúvida. A Fundação do Gil funcionou apenas como ajuda para o meu objectivo. Precisava de uma marca para dar credibilidade ao movimento “Sorriso da Rita”. A Margarida Pinto Correia foi fantástica. O dinheiro nem chegou a passar pela fundação, foi directo para a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC). No início, estabeleci as regras em relação às verbas e disse que não ia receber dinheiro algum porque iria reverter, inteiramente, para a associação. Tenho uma filha com paralisia cerebral e sei muito bem os custos que esta doença tem e o quanto é complicado lidar com ela. O meu grande objectivo era ajudar essas pessoas e, também, chamar a atenção para esta doença. O facto de eu ser uma figura conhecida da televisão, e de assumir publicamente que tenho esse problema em casa, faz com que as pessoas encarem melhor esta doença. Que não a julguem como um “bicho de sete cabeças”. O primeiro livro reverteu 15 mil euros para a APPC. O segundo, 38 mil euros. Com os dois livros, penso que consegui ajudar entre 40 a 50 crianças com paralisia cerebral.
 
“Quem quer mesmo consegue”
 
O que achou da cerimónia dos Óscares 2008?
Este ano, um verdadeiro fracasso. Já não tinham audiências tão baixas desde os anos 80. Aquele programa é visto, normalmente, por mil milhões de espectadores. Este ano, teve metade. Não teve o impacto e o glamour que lhe são característicos.
 
Concorda com o júri em relação à escolha dos grandes vencedores?
Não, nem pensar. Não tenho nada contra os irmãos Cohen mas o meu favorito, que foi derrotado, era é o Paul Thomas Anderson. Acho que o filme Haverá Sangue é incrível e muito mais interessante, em termos de argumento, do que Este País Não É Para Velhos. Esta derrota não é inédita. Há uns anos, quando o Paul perdeu com o Magnólia para o Beleza Americana, também foi muito injusto.
 
Cada vez há mais jovens que aspiram a uma carreira no jornalismo. O que acha do ensino do jornalismo em Portugal?
Depende muito de escola para escola. Conheço algumas, nomeadamente em Braga, onde faço muitos workshops, onde o ensino é muito bom. Mas falta-lhes uma componente mais prática. É muito bonito dar teoria mas também é importante aplicar esses conhecimentos na prática. Não tenho curso nenhum porque, quando comecei, ainda não havia escolas de Jornalismo. Havia muita oferta de trabalho e algumas pessoas dispostas a trabalhar nessa profissão. Actualmente, a oferta de trabalho é muito pouca e, desde há uns anos, deu-se um boom de licenciados em Jornalismo. Tantos, que já não existe lugar para todos, daí que o desemprego nesta área seja cada vez mais comum.
 
Muitos jovens portugueses admiram a sua profissão. Que conselho dá aos que ambicionam, um dia, chegar onde chegou?
Nunca deixar de acreditar nos sonhos. Quem quer mesmo consegue. Há um truque importante para se ser bem sucedido: muito trabalho, determinação e acreditar nos sonhos. Se não conseguirmos hoje é porque não tinha de acontecer agora. Mas, amanhã, voltamos a bater à porta, tentamos e vamos conseguir. O importante é nunca cruzar os braços e desistir daquilo em que se acredita.
publicado por Vanessa Rodrigues às 16:05
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De Buga a 19 de Junho de 2016 às 19:27
Não faz mal falares mal inglês? Faz sim! Dás uma péssima imagem dos portugueses. Mas, pior que isso, é que por esta altura, já devias ter aprendido a falar melhor (ou, pelo menos percebido que falas bem pior que pensas)!
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